Sabemos que Teologia e Filosofia são ciências distintas, quer pelo método quer pelo objeto. Enquanto a Filosofia procede por raciocínios lógicos, a partir dos primeiros princípios da razão pura e tem como objeto primeiro o mundo e o homem, tais como se apresentam ao estudioso pela experiência, a Teologia, por sua vez, procede a partir do ato de fé na revelação divina, procurando um certo entendimento dessa fé, e o seu objeto primeiro é o próprio Deus tal como se dá a conhecer em sua auto-revelação. Assim, a Teologia pode ser dita ciência da fé, enquanto a Filosofia é a ciência da razão.
Tal distinção, contudo, não leva necessariamente a uma separação entre as duas ciências. Alias, ao longo da história da Igreja, pode-se verificar que Teologia e Filosofia muitas vezes se mostraram em íntima relação.
Sejam citados aqui o período patrístico e escolástico, que testemunham a relação harmoniosa entre teologia e filosofia, estabelecida na obra fecunda de um Santo Agostinho (+ 430) ou de um Tomás de Aquino (+1274). Não podemos dizer, entretanto, que faltem autores na modernidade ou na contemporaneidade que procuraram correlacionar as duas ciências; sejam lembrados João de Santo Tomás, Cajetano, Leibniz Maritain, Étienne Gilson, Josef Pieper etc.
Uma pergunta surge: Por que Teologia e Filosofia, sendo distintas, podem se relacionar? Na verdade, Teologia e Filosofia podem realizar um frutífero conúbio na medida em que seu objeto coincide, ainda que parcialmente. Sim; a Teologia, como já se disse, tem por objeto primeiro Deus, tal como ele mesmo se deu a conhecer pela revelação judaico cristã; o homem e o mundo caem também sob a consideração da teologia na medida em que se relacionam com Deus ou são vistos sob a luz de Deus revelador. A Filosofia, por sua vez, como já notamos, tem como objeto primeiro de sua consideração o mundo e o homem percebidos pela experiência, mas pode chegar ao ABSOLUTO – DEUS – como fundamento radical do mundo e do homem.
Desse modo é fácil ver que tanto a Teologia como a Filosofia tratam de Deus, do mundo e do homem. A primeira, por um movimento de descida ( Katabasis), vai de Deus até o homem e o mundo considerados sob a luz da fé na auto-revelação de Deus; a segunda, por um movimento de subida (Anabasis), vai do mundo e do homem até Deus, considerado sob a luz da razão interrogante.
E é exatamente essa comunidade de objeto que torna possível a relação entre ambas.
Umas das sistematizações mais consistentes da relação entre fé e razão encontra-se na grandiosa obra de Santo Tomás de Aquino. O Aquinate viu bem que, sendo Deus, ao mesmo tempo, o criador da ordem racional e o autor da fé, não poderia haver contradição de iure entre ambas, preservadas as devidas dentições. Motivado, assim, por essa certeza, foi capaz de construir uma reflexão filosófico-teológica de invejável vigor especulativo. A grande originalidade de Tomás está no fato de ter elaborado uma metafísica do esse (do ser como ato de existir), superando, desse modo, a metafísica das essências que herdara dos gregos.
Fonte: Revista Filosofia, conhecimento prático.
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