Nos dias de Elias, a apostasia e a vergonhosa idolatria haviam se alastrado entre o povo de Deus, impulsionadas pelos devaneios de Acabe e Jezabel. O povo de Israel havia trocado a glória de seu Deus pela fútil veneração ao falso deus Baal, considerado pelos desviados e apóstatas como o “senhor da chuva e das tempestades”. Mas, o assombroso confronto no Monte Carmelo entre Elias e os falsos profetas de Baal e Aserá bem como os fenomenais prodígios de Eliseu começaram a reverter a triste situação. Aqueles que antes se escondiam pelo temor de Jezabel passaram a manifestar publicamente a sua fé. O despertamente foi tamanho que, por toda parte, surgiram “escolas teológicas” formando novos mensageiros de Jeová. Haviam grupos de estudantes em Ramá, Gibeá, Gilgal e Jericó (2Rs 2:3,5,7,15; 4:1,38; 9:1,2). Por diversas vezes, em algumas passagens nos livros dos Reis, vemos aparecer a expressão “filhos dos profetas“, mas pelo contexto destas passagens percebe-se que tem a mesma significação que “escola de profetas“. Ressalta-se que as “escolas de profetas” não tinham como propósito ensinar a profetizar, isso é uma atribuição divina; era um testemunho vivo de que o povo de Deus, em um passado distante do Antigo Testamento, preocupava-se em passar às gerações mais novas sua experiência cultural e espiritual.
Neste subsidio à lição 12, quero esclarecer um pouco mais dessas “escolas”, seu cotidiano, seus objetivos e sua relevância.
2. A instituição das “escolas de profetas”. Nem todos os profetas do passado tiveram uma formação teológica convencional. Amós, por exemplo, saiu diretamente do agreste judaico para as ruas de Samaria (capital de Israel - Reino do Norte), proclamando sua mensagem profética da única maneira que sabia: “cantando”. Miquéias, à semelhança de Amós, era homem do campo, e provinha de família humilde, mas ergueu a voz para denunciar os pecados de Jerusalém e os esquemas de corrupção no palácio, no poder judiciário e nos corredores do Templo. A maioria dos profetas, no entanto, até mesmo aqueles que nos são desconhecidos, receberam uma formação teológica mais “especializada”. Por serem uma escola - tipo um seminário -, entende-se que possuía uma certa estrutura física e uma organização mínima para funcionamento a contento, e estavam sob uma liderança que oferecia a devida orientação adequada. No texto de 2Reis 6:1, verificamos que Eliseu era o líder maior dos discípulos dos profetas, e era com ele que buscavam instrução. À época do profeta Samuel essas escolas já existiam; tudo indica que ele tenha sido o primeiro a tomar a iniciativa de organizar esse tipo de “ensino teológico” (cf 1Sm 10:5,10; 19:23). Geralmente os estudantes moravam juntos em uma casa ou em pequenas comunidades, onde o ensino era ministrado (2Rs 6:1,2). Alguns “seminaristas” eram casados e mantinham seus próprios lares (2Rs 4:1).
3. Objetivos das “escolas de profetas”: treinamento e encorajamento.
- Com relação ao treinamento, além da teoria, a execução de determinadas tarefas, sob permissão do instrutor, eram permitidas, como se observa no ocorrido de 2Reis 2:15-17: “Vendo-o, pois, os filhos dos profetas que estavam defronte em Jericó, disseram: O espírito de Elias repousa sobre Eliseu. E vieram-lhe ao encontro e se prostraram diante dele em terra. E disseram-lhe: Eis que, com teus servos, há cinqüenta homens valentes; ora, deixa-os ir para buscar teu senhor; pode ser que o elevasse o Espírito do Senhor e o lançasse em algum dos montes ou em algum dos vales. Porém ele disse: Não os envieis. Mas eles apertaram com ele, até se enfastiar; e disse-lhes: Enviai. E enviaram cinqüenta homens, que o buscaram três dias, porém não o acharam“. Esse processo interativo entre o líder e o liderado, entre o educador e o educando, é vital para produção do conhecimento. Em outras situações observamos que os filhos de profetas, quando já treinados, podiam agir por conta própria em determinadas situações (1Rs 20:35).
- Com relação ao encorajamento, os alunos eram encorajados a buscarem uma melhor compreensão da Palavra de Deus. Não há objetivo maior para um educador do que encorajar o educando a buscar a excelência no ensino.
4. Currículo das “escolas de profetas”. A formação acadêmica dos “discípulos de profetas” consistia no estudo das Escrituras (os livros históricos e os poéticos) e das leis mosaicas. Havia espaço ainda para a instrução na música sacra e na poesia (1Sm 10:5). O “professor”, um profeta mais experiente, transmitia o ensino com seu exemplo de vida e seu trabalho, e eram eles mesmos que consagravam os novos obreiros à missão de reconduzir o rebanho desgarrado de Israel ao aprisco do Senhor, o pastor de nossa alma (Sl 23).
5. Aprendendo na provação. A vida diária nas escolas de profetas não era nada cômoda. Os estudos eram exaustivos, as acomodações eram precárias (2Rs 6:1), a falta de recursos era uma constante (2Rs 4:1), o trabalho era árduo e, se não bastasse isso tudo, a comida era escassa, geralmente produzida por eles mesmos, em hortas comunitárias. As coisas ficaram ainda piores quando Deus enviou uma estiagem que durou sete anos (cf. 2Rs 8:1). Se a nação toda padeceu, quanto mais aqueles que deixaram tudo pelo ministério!
Foi exatamente nesse contexto de crise que Eliseu, o “homem de Deus”, chegou no seminário de Gilgal para uma “série de conferências”. A receptividade foi calorosa, mas a despensa estava vazia. Eliseu enviou um dos alunos ao campo para colher frutos e raízes comestíveis, a fim de preparar um sopão para todos. Mas algo saiu errado: um dos ingredientes estragou a sopa, tornando-a amarga e venenosa. A “colocíntida” (2Rs 4:39), uma espécie de pepino selvagem, em pequenas quantidades era usada para fins medicinais, mas em grande quantidade tornava-se tóxica e extremamente amarga.
Uma das coisas admiráveis neste texto é que, embora o gosto estivesse horrível, todos comeram sem reclamar. O único comentário que surgiu foi quando atinaram para o perigo de conter algo venenoso. Essa é uma boa lição de educação, respeito e ética. Interessante também é notar que Deus permitiu tal acontecimento para mostrar o Seu cuidado aos que a Ele se consagram. Deus usa o homem, e o homem usa o que tem à mão. Eliseu usou farinha, e esse ingrediente anulou o veneno. O milagre aconteceu, não por causa da farinha, mas pela fé de Eliseu. Ele poderia ter usado cevada, hortelã, pão ou qualquer outro ingrediente, e o resultado seria o mesmo.
Aprendemos com esses seminaristas que: Deus cuida de Seus servos, geralmente usando o que eles têm à mão aliado à quantidade de sua fé. A viúva do profeta (2Rs 4:1-7) colocou perante Deus, o pouquinho que tinha, e no que é que deu? Da mesma forma, se usarmos aquilo que temos, ainda que seja pouco, e usarmos com fé, grandes coisas Deus fará por nós.
6. Ensinando através do exemplo. Eliseu demonstrou o poder de Deus com milagres realizados, mas também ensinou pelo seu próprio exemplo. Citamos dois exemplos:
- Primeiro exemplo: Certa feita, um homem da cidade vizinha (Baal-Salisa) veio à “casa de profetas” trazer uma oferta em mantimentos para o sustento de Eliseu, conforme prescrevia a Lei de Moisés (Nm 18:13; Lv 23:10; Dt 18:4). A oferta era generosa para um só homem “professor”, mas insuficientemente para cem alunos (2Rs 4:43). Era um direito de Eliseu reter a oferta só para si, pois “digno é trabalhador do seu salário” (Lc 10:7), contudo, preferiu repartir aquela bênção com os demais colegas de ministério, e Deus abençoou a sua decisão: “todos comeram e ainda sobrou” (2Rs 4:43). Eliseu demonstrou a principal virtude de um homem de Deus: amor ao próximo. Este exemplo que Eliseu manifestou certamente foi um grande ensino para aqueles discípulos. Ele demonstrou o seguinte modo de viver: o que é meu também é teu. Aquele que reparte de bom grado as suas dádivas sempre as terá em abundância - “Daí, e dar-se-vos-á; boa medida, recalcada, sacudida, transbordante, generosamente vos darão; porque com a medida com que tiverdes medido vos medirão também “ ( Lc 6:38).
- Segundo exemplo: Geazi era seu aluno, e convivia com o profeta, vendo milagres. Não é exagero dizer que Eliseu aprendeu muitas coisas com o convívio que teve com Elias, e Geazi também observou os atos de Eliseu. Mas aqui cabe uma observação: Ao passo que Eliseu aprendeu coisas com Elias e teve um ministério frutífero, Geazi optou pelo caminho oposto. Na ocasião em que esteve com o capitão siro Naamã, Geazi demonstrou que não estava apto para o ministério profético pois foi seduzido pelos presentes que Naamã, já curado, ofereceu a Eliseu. Nessa ocasião, vendo Geazi que Eliseu rejeitou os presentes de Naamã, cobiçou-os e foi atrás do siro, contando-lhe uma história piedosa:
“E foi Geazi em alcance de Naamã; e Naamã, vendo que corria atrás dele, saltou do carro a encontrá-lo e disse-lhe: Vai tudo bem? E ele disse: Tudo vai bem; meu senhor me mandou dizer: Eis que agora mesmo vieram a mim dois jovens dos filhos dos profetas da montanha de Efraim; dá-lhes, pois, um talento de prata e duas mudas de vestes. E disse Naamã: Sê servido tomar dois talentos. E instou com ele e amarrou dois talentos de prata em dois sacos, com duas mudas de vestes; e pô-las sobre dois dos seus moços, os quais os levaram diante dele. E, chegando ele à altura, tomou-os das suas mãos e os depositou na casa; e despediu aqueles homens, e foram-se” (2Rs 5:21-24).
Mas, Deus julgou severamente o cobiçoso e materialista Geazi:
“Então, ele entrou e pôs-se diante de seu senhor. E disse-lhe Eliseu: De onde vens, Geazi? E disse: Teu servo não foi nem a uma nem a outra parte. Porém ele lhe disse: Porventura, não foi contigo o meu coração, quando aquele homem voltou de sobre o seu carro, a encontrar-te? Era isso ocasião para tomares prata e para tomares vestes, e olivais, e vinhas, e ovelhas, e bois, e servos, e servas? Portanto, a lepra de Naamã se pegará a ti e à tua semente para sempre. Então, saiu de diante dele leproso, branco como a neve” (2Rs 5:25-27).
Porque Deus julgou Geazi de forma tão severa? Primeiro, porque ele foi um homem cobiçoso. Segundo, porque ficou indignado de ver Naamã ser curado e não pagar nada pela cura que recebeu. Terceiro, porque mentiu para obter os presentes que Naamã daria a Eliseu. Quarto, não podemos usar os dons que Deus nos concede para lucrar de forma pessoal.
Que essas observações nos sirvam de exemplo, para que não sejamos julgados por Deus por conta de tais manifestações de infidelidade.
CONCLUSÃO
As Escolas de profetas na época de Elias e de Eliseu eram dedicadas ao ensino formal da Palavra de Deus e ao comportamento ético do futuro profeta. A preocupação com o aspecto espiritual do povo de Israel era sua principal bandeira esses líderes. Esses futuros profetas seriam mais tarde líderes que teriam de confrontar as falsas teologias e a idolatria que os maus reis obrigavam o povo a aceitar. Assim como era importante o estudo da Palavra de Deus naquela época, também o é atualmente. Infelizmente, os tempos mudaram e os seminários teológicos se “conformaram com o mundo” - procuram parecenças com as faculdades seculares e, por isso, buscam reconhecimento do MEC -, mas o prejuízo tem sido enorme, pois a teologia liberal tem predominado sobremaneira na maioria dos seminários com prejuízos incalculáveis à ortodoxia das Escrituras Sagradas.
Em qualquer época, sejam tempos de fartura ou tempos de escassez, de paz ou de guerra, de bonança ou de tempestade, a Igreja tem a responsabilidade de salvaguardar a verdadeira e original doutrina bíblica que se acha nas Escrituras Sagradas, e transmiti-las aos fiéis - “Tu, pois, meu filho, fortifica-te na graça que há em Cristo Jesus. E o que de mim, entre muitas testemunhas, ouviste, confia-o a homens fiéis, que sejam idôneos para também ensinarem os outros” (2Tm 2:1,2).
Referências Bibliográficas:
William Macdonald - Comentário Bíblico popular (Antigo Testamento).
Bíblia de Estudo Pentecostal.
Bíblia de estudo - Aplicação Pessoal.
O Novo Dicionário da Bíblia - J.D.DOUGLAS.
Comentário Bíblico NVI - EDITORA VIDA.
Revista Ensinador Cristão - nº 53 - CPAD.
A Teologia do Antigo Testamento - Roy B.Zuck.
Comentário Bíblico Beacon, v.2 - CPAD.
Porção Dobrada - Pr. José Gonçalves - CPAD.
Comentário do Novo Testamento - Aplicação Pessoal.
Elias e Eliseu (homens de ação) - Editora cristã Evangélica
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