domingo, 15 de abril de 2012

É proibido a Mulher Cristã se Adornar?

O adorno da mulher cristã: proibição ou privilégio?


É certo uma mulher cristã se enfeitar? Na maioria das igrejas contemporâneas são raros os pastores que sobem ao púlpito para dizer que não. Reconhecemos, porém, que existem algumas comunidades cristãs que sinceramente consideram que as mulheres devem evitar o uso de jóias, maquiagem e roupas vistosas e que controlam até o corte e o penteado dos seus cabelos. Qual a legitimidade dos adornos femininos?1 Qual a expressão real da modéstia cristã? E o que isso tem a ver com a percepção daquilo que a Bíblia realmente ensina sobre a natureza, o propósito e especialmente o valor das mulheres cristãs — tanto as do passado quanto as do presente? Ao pesquisarmos, verificamos que a interpretação dos textos pertinentes ao assunto tem sido, muitas vezes, afetada por pontos de vista preconcebidos, tanto pelos que aceitam quanto pelos que rejeitam adornos externos nas mulheres.


I. O DILEMA
Será que é possível uma mulher usar adornos externos ou um pastor temente a Deus permitir que as senhoras e moças da sua igreja se enfeitem sem ir de encontro às duas passagens bíblicas citadas para proibir o uso de todos ou certos adornos? Elas parecem ser tão claras e específicas!

1 Timóteo 2.9-10 diz: … que as mulheres, em traje decente, se ataviem com modéstia e bom senso, não com cabeleira frisada e com ouro, ou pérolas, ou vestuário dispendioso, porém com boas obras (como é próprio às mulheres que professam ser piedosas).
1 Pedro 3.3-6 declara: Não seja o adorno das esposas o que é exterior, como frisado de cabelos, adereços de ouro, aparato de vestuário; seja, porém, o homem interior do coração, unido ao incorruptível de um espírito manso e tranqüilo, que é de grande valor diante de Deus. Pois foi assim, também, que a si mesmas se ataviaram, outrora, as santas mulheres que esperavam em Deus, estando submissas a seus próprio maridos, como fazia Sara, que obedeceu a Abraão, chamando-lhe senhor, da qual vós vos tornastes filhas, praticando o bem e não temendo perturbação alguma.
Quantos dos pastores que acatam os adornos femininos nos cultos podem dar uma explicação clara sobre essa atitude às suas igrejas? Quantos de nós têm certeza absoluta daquilo que estamos “aprovando,” implicitamente, pelo uso? Ou estamos abrigando “dúvidas” e ainda assim procedendo por causa de comodidade ou vaidade? A Bíblia é clara quando diz que a falta de certeza sobre o nosso comportamento indica que estamos pecando, embora estejamos fazendo algo que talvez não seja pecaminoso em si (Rm 14.12, 22-23).

Existem centenas e milhares de mulheres no Brasil e pelo mundo afora, que amam a Deus de todo o coração, mas que sentem uma fisgada de desconforto e culpa quando lêem essas passagens. Perguntam a si mesmas se estão sendo carnais, se estão falhando na sua espiritualidade. Numa era em que seus maridos ou namorados estão cercados de mulheres que combatem a celulite, a gordura, as rugas e os cabelos brancos como inimigos mortais e na qual a humanidade valoriza intensamente a aparência física, elas não conseguem evitar arrepios ao pensar nas possíveis conseqüências de deixar de lado os próprios esforços em prol de uma aparência agradável. A maioria chega à conclusão que ficariam sem condições emocionais e sociais para continuar convivendo e trabalhando adequadamente nas esferas onde Deus as colocou. Ao olhar ao redor de si, notam que nenhum líder na sua igreja está advogando a abstenção dos adornos e cosméticos. Concluem que essas pessoas devem ter entendimento mais apurado do assunto e continuam como estão. Mas o sentimento de culpa continua, especialmente quando alguém lhes aponta esses versículos e lhes conclama a uma auto-defesa.

Enquanto isso, há outras tantas mulheres que realmente praticam a abstinência de qualquer enfeite externo (dentro dos limites estipulados por suas igrejas). Tendo entregue a vida a Deus, conseguem conviver relativamente bem com essa situação, especialmente porque encontram um sistema de apoio mútuo dentro dos seus círculos eclesiásticos. As suas vidas se entrelaçam quase inteiramente com o seu lar e com a sua igreja e as atividades desta. Sofrem muito, entretanto, quando tentam passar essas mesmas proibições às suas filhas que têm que conviver diariamente com um mundo que se nega a dar-lhes valor e que ri da sua falta de adornos e das suas roupas diferentes, nas escolas e nos empregos. Filhas que sofrem e olham para outras mulheres cristãs que não se abstêm e perguntam — “Porque elas podem, e eu não?” — e que são prontamente admoestadas por sua falta de amor a Deus e exortadas com frases do tipo “Enganosa é a graça e vã a formosura, mas a mulher que teme ao Senhor, essa será louvada” (Pv 31.30) ou “Nós não queremos que a nossa filha seja confundida com uma Jezabel!”2

II. A Necessidade de Aprofundamento na Questão
É, portanto, urgente que haja uma verificação mais aprofundada do significado e da importância dos textos principais que se referem a esse assunto. É extremamente relevante também porque o texto de 1 Timóteo está enraizado nas orientações específicas de Paulo a respeito do comportamento de homens e mulheres nas igrejas, especialmente na área de liderança. A outra determinação se encontra em meio aos conselhos de Pedro, a ambos os sexos, sobre a vida no lar. Trata-se de áreas extremamente polêmicas nas igrejas e no mundo em que vivemos porque muitos têm chegado à conclusão de que esses versos eram condicionados a um tempo que já passou e portanto não se aplicam aos dias de hoje.3 Como evitar o desprezo de parte de uma passagem se nós mesmos não conseguimos explicar a razão pela qual seguimos ou não seguimos a aparente instrução da outra parte?

Existe muita confusão a respeito da autoridade masculina na igreja e no lar porque a liderança masculina nas igrejas tem, vezes demais, se mostrado indiferente ao valor, sentimentos e dons das mulheres com que convivem, deixando pouco ou nenhum espaço para a sua expressão, inclusive na área dos adornos. Começando pelos Pais da Igreja, passando por expoentes da Reforma e por grande número de teólogos e comentaristas de renome, verificamos negligência e omissão em algumas áreas do seu lidar com a metade feminina do povo de Deus.4 Em muitas ocasiões, a legítima liderança amorosa masculina se deteriorou num domínio arrogante e agressivo, baseado em pressuposições errôneas de superioridade.5 Se tivessem sido mais compreensivos e dado igual atenção nos seus sermões e escritos ao exemplo de Jesus quando lidava com as mulheres e às orientações de Pedro (e de Paulo também – Ef 5.25-33; Cl 3.19) para os homens,6 a situação atual talvez fosse bem diferente.

III. Preconceitos, Prescrições e Omissões
A. A Tendência Judaica

Os Pais da Igreja não se desviaram da opinião judaica a respeito de mulheres, prevalecente no período apostólico. Filo de Alexandria, um contemporâneo de Paulo e Pedro, declarou:

…a fêmea é imperfeita, sujeita, vista mais como o parceiro passivo do que o ativo. E já que os elementos dos quais consistem a nossa alma são dois – a parte racional e a parte irracional – a parte racional pertence ao sexo masculino, sendo a herança de intelecto e razão; mas a parte irracional pertence ao sexo feminino, e também os sentidos externos. E a mente é em cada respeito superior ao sentido externo, como é o homem à mulher.”7
Na compilação das tradições orais preservadas pelos judeus, os homens eram encorajados a agradecer a Deus diariamente por não tê-los feito “nem gentio, nem mulher, nem escravo.”8 No templo em Jerusalém as senhoras não podiam passar do átrio das mulheres,9 um isolamento até considerado natural pela maioria dos comentaristas, mas que, na realidade, não existia no plano divino para o tabernáculo (1 Sm 1.9-10) e nem no primeiro templo (1 Cr 28.11,19; 1 Rs 5-8), refletindo tão somente o preconceito do judaísmo. Paradoxalmente, os adornos parecem ter sido amplamente utilizados nesse período.10

B. A Tendência Patrística

Não existe registro de como os lideres das igrejas que receberam as cartas de Paulo e Pedro interpretaram e aplicaram as suas palavras nos textos já mencionados. Mas os Pais da Igreja dos séculos subseqüentes tornaram-se totalmente contrários ao uso do adorno feminino. Tertuliano (160-220 DC) reclamou sobre as mocinhas: “Elas consultam o espelho para ajudar a sua beleza, gastam a pele do rosto de tanto lavar, tentando tornar o mesmo sedutor com cosméticos, arrogantemente jogam uma capa por cima dos ombros, colocam seus apertados sapatinhos multiformes e levam bem mais acessórios quando vão ao banho.”11 Cipriano (c. 250 DC) ensinou que “os adornos e as roupas vistosas e as seduções da beleza pertencem apenas a prostitutas e mulheres desenvergonhadas, e a vestimenta mais cara acompanha aquela cuja modéstia é a mais barata.”12 Jerônimo (340-420 DC) perguntou: “Qual o lugar de ruge e chumbo branco no rosto de uma senhora crista?… Servem apenas para inflamar as paixões dos homens jovens, para estimular a lascívia e para indicar uma mente impura.”13 Eram homens de peso na história da igreja cristã — mas quase todos com tendências ascéticas.

C. Nosso Propósito

Neste ensaio, tentaremos estabelecer que Paulo e Pedro não estavam proibindo o uso de adornos pelas mulheres, mas que, ao contrário, eles estavam contrastando o legítimo adorno externo com algo bem mais valioso – o adorno interno. Verificaremos de forma resumida e geral o que a igreja tem ensinado a respeito disso durante os dois milênios que se passaram. Examinaremos os versos nos seus contextos histórico, bíblico, teológico e textual. Ao mesmo tempo, procuraremos conhecer um pouco melhor tanto as intenções dos apóstolos quanto a natureza das mulheres da época, para podermos nos aproximar mais da sua realidade e então compará-la à nossa situação atual.

IV. O CONTEXTO HISTÓRICO DAS PASSAGENS
As passagens polêmicas fazem parte integral de duas cartas escritas pelos apóstolos Paulo e Pedro no início dos anos 60 D.C.14 Paulo endereçou a sua carta ao seu filho na fé Timóteo, que se encontrava na cidade de Éfeso supervisionando as igrejas da Ásia,15 enquanto que os eleitos … forasteiros da Dispersão, no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia receberam os conselhos e admoestações de Pedro (1 Pe 1.1), quase ao mesmo tempo. Em circulação entre essas pessoas provavelmente já estavam as cartas de Paulo aos Gálatas, Efésios, Colossenses e a Filemom, como também a carta de Tiago “às doze tribos que se encontram na Dispersão” (Tg 1.1).

A. O Império Romano

Nesse período, na cidade de Roma (onde Paulo esteve e Pedro estava), o desequilibrado imperador Nero (37-68 DC) manipulava o Império Romano. Existia uma sensação de instabilidade muito grande.16 Apesar da existência de leis e de um sistema de justiça tão bom que formou a base de muitos códigos civis da nossa atualidade, sabia-se que a vida de um ser humano valia muito pouco para os conquistadores.17 Outra evidência da degradação humana reinante podia ser vista nos divertimentos oferecidos nas principais cidades do império, onde os romanos haviam construído anfiteatros ou estádios. Eram violentos e brutais. Nos combates entre feras, milhares de animais morriam anualmente. Mas o gosto pelo derramamento de sangue se satisfazia mais terrivelmente ainda com a luta entre gladiadores, onde prisioneiros de guerra, escravos e criminosos eram armados e forçados a lutar até o fim. O vencido era morto.18

Em 64 DC, haveria um incêndio enorme em Roma. Muitos responsabilizariam Nero. Ele, por sua vez, acusaria os cristãos da cidade. Assim, a mando de Nero, apenas dois ou três anos depois de Paulo e Pedro terem escrito essas cartas, muitos cristãos seriam lançados às feras ou colocados, desarmados, para enfrentar gladiadores diante de milhares de espectadores nos anfiteatros de Roma.19 Seria o início de perseguições esporádicas pelo governo romano que durariam dois séculos e meio. Diz a tradição que os dois apóstolos foram mortos durante as perseguições neronianas.20

Na sociedade romana sob a influência de Nero (e dos seus antecessores), havia uma constante procura por excelência na qualidade e na estética, como também um interesse por novidades. Sendo grande amante das artes, Nero dava grande valor às coisas e pessoas bonitas. Nunca usava a mesma roupa duas vezes.21 Assim, a alta sociedade da época se preocupava com a sua aparência ainda mais que as gerações anteriores , e isto ocorria não somente na cidade de Roma mas em todo o império. Os gostos e costumes das mulheres romanas tornaram-se “chiques.” Conhecer e satisfazer as tendências e as preferências romanas era vital para todos aqueles na Ásia Menor que trabalhavam com o comércio e também para aqueles que se destacavam na alta sociedade.

B. Ásia Menor

A província romana da Ásia se encontrava na enorme península denominada subseqüentemente como Ásia Menor, hoje conhecida como Turquia. Ponto, Galácia, Capadócia e Bitínia eram outras províncias romanas nessa mesma península. Juntamente com a Ásia, abrangiam a quase totalidade da Ásia Menor, excetuando a área costeira do sul.22

O fato pode surpreender, mas a província da Ásia foi a parte mais próspera do Império Romano durante os dois primeiros séculos da era cristã. Era a maior fonte da riqueza de Roma e várias rotas de caravanas que traziam os tesouros do Oriente (como algodão e seda) findavam na sua capital, Éfeso, centro político, comercial e cultural da área.23 Militares e governantes eram enviados de Roma até lá regularmente para manter as leis e a ordem, e também para supervisionar o comércio. Alguns traziam as suas famílias.

Tanto a Ásia quanto grande parte da Ásia Menor daquele período (especialmente no litoral) gozavam de um passado e presente cultural do mais alto nível. Para dizer a verdade, esse não seria igualado novamente no mundo ocidental até a renascença européia dos séculos XV e XVI.24 Apesar de já estar sob domínio romano por quase dois séculos (desde 133 AC), a península era essencialmente grega, pois havia sido colonizada pelos gregos no século VIII AC. Muitos dos filósofos, cientistas e artistas da antigüidade que admiramos e conhecemos como “gregos” realmente não eram do continente europeu, mas daqui, já bem antes do período apostólico.25 Algumas das esculturas “gregas” mais conhecidas através da história foram feitas por artistas da Ásia Menor.26 Três das “Sete Maravilhas do Mundo Antigo” encontravam-se na Ásia. 27

V. AS MULHERES DA ÁSIA MENOR
Já que ambas as missivas se destinaram primariamente a cristãos da Ásia Menor, cabe analisarmos as mulheres dessa área, citadas nominalmente nos escritos neo-testamentários, como representantes daquelas que estavam sendo instruídas pelos dois apóstolos. Dentre essas, encontramos Eunice, Priscila, Lídia, Áfia e Ninfa. Todas tinham ligações concretas com as igrejas ou províncias que receberam as instruções originais sobre o verdadeiro adorno feminino. Provenientes das quatro principais culturas que já estavam convivendo lado a lado na Ásia Menor por dois séculos ou mais, eram de ascendência romana, grega, judaica ou autóctone, com variado grau de integração com as culturas nas quais viviam. Um exame mais aproximado fará com que elas e as suas irmãs em Cristo possam tornar-se mais reais e relevantes para nós.

A. Mulheres Diversas com Personalidades Marcantes

Eunice (mãe de Timóteo) era uma mulher judia instruída e inteligente, com uma fé exemplar, casada com um incrédulo grego, de classe alta, que morava numa colônia romana da Ásia Menor e convivia com pessoas simples do interior (os licaônios) (At 16.1; 2 Tm 1.5, 3.15).28

Priscila representa uma mulher romana ou judia, de classe média ou alta, forte, inteligente e corajosa, provavelmente poliglota e instruída, bem casada com um judeu da Ásia Menor que, por causa da sua fé, enfrentou perseguições e aprendeu a viver bem em Roma, na Grécia e na Ásia Menor, absorvendo e refletindo aspectos significativos das três culturas (At 18.1-26; Rm 16.3-5; 1 Co 16.19; 2 Tm 4.19).29

Lídia (At 16.12-40) era uma mulher grega proveniente da cidade de Tiatira, na Ásia Menor. Ela vivia numa colônia romana e seguia a religião judaica. A sua profissão era ligada ao vestuário dispendioso (a venda de púrpura). Quando converteu-se à religião cristã, ela aparentemente conservou a sua profissão e atividades.

Deduzimos que Ninfa (de Laodicéia – Cl 4.15) e Áfia (de Colossos – Fm 1.2) eram mulheres ricas pois tinham casas suficientemente grandes para hospedarem igrejas. Conviviam com escravos cristãos (Cl 3.22-4.1). Provavelmente, eram de origem local (Frígia – já bem aculturadas) ou grega.30

Observamos que todas essas cinco senhoras foram mencionadas com carinho e admiração por Paulo ou Lucas. Outros tipos de mulheres também se faziam presentes nas igrejas citadas. Além das esposas de homens descrentes ou infiéis (especificamente endereçadas nas instruções de Pedro) também estavam as filhas, mães ou irmãs destes. E não devemos supor que todas as mulheres participantes dos cultos eram convertidas, pois poderiam estar ali por convite das amigas, por obrigação (em submissão aos pais ou maridos) ou até terem sido batizadas após a conversão do homem da casa). Realmente não eram tão diferentes das senhoras e moças da atualidade, como pode nos parecer à primeira vista.

B. A Moda Romana

Ao nosso ver, as técnicas e produtos daqueles dias podem parecer muito artesanais e simples, comparados aos atuais. Mas as mulheres da Ásia Menor estavam vivendo num clima de crescente criatividade e desenvolvimento cultural. Este duraria até o declínio do império romano e não voltaria por mais mil anos.31 O exército romano mantinha a paz – a famosa Pax Romana – na maior parte do império. Produtos e pessoas cruzavam terra e mares com maior facilidade. O mercado para os tecidos e corantes asiáticos crescia e os comerciantes e os fabricantes tinham que inovar e melhorar para continuar garantindo o seu espaço no mercado mundial. Nota: A cidade de Laodicéia era famosa por sua lã negra e lustrosa, proveniente de ovelhas negras. Colossos era conhecida pela lã peculiarmente arroxeada. Tiatira era especializada em tinturaria.32 O nome para bordador em Roma era phrygio, de tão famoso que eram os bordadores da área de Frígia.33 Também era importante o controle dos produtos que chegavam mais e mais de países distantes (Pérsia, Índia, China) pelas caravanas. Ao mesmo tempo, as mulheres romanas tinham mais e melhores condições para acompanharem os seus maridos, trazendo consigo as últimas novidades.34 O conhecimento da última moda romana chegava constantemente a todas as principais cidades do império através das esposas e filhas dos governantes e militares de cada província e país. Como lavadeiras, costureiras, escravas, empregadas domésticas ou artesãs, como esposas ou filhas de comerciantes e artesãos, ou como parte da alta sociedade local, a maioria das mulheres tinha contato direto ou indireto com os costumes romanos.

Em meio a todas elas estavam muitas mulheres cujos maridos certamente eram fabricantes, comerciantes ou transportadores de roupas e produtos de beleza há anos. A renda da família poderia depender tanto dos produtos locais quanto daqueles que passavam pelas rotas das caravanas ao longo das quais estavam localizadas quase todas as cidades visitadas por Paulo. Considerando que o mercado principal era o romano, grande parte das mulheres locais já havia se adaptado ao domínio e às práticas romanas (com a exceção provável de umas poucas judias recém-imigradas35 e algumas mulheres nas áreas mais afastadas). O intercâmbio cultural era intenso e se não chegavam a seguir todas as tendências, pelo menos sabiam delas e muitas vezes viviam delas. Assim sendo, podemos imaginar a filha de um comerciante de tecidos tentando convencer o pai de que precisava de alguns metros do linho fino importado, ou a de uma costureira deslizando os dedos sobre uma seda macia enquanto sonha com o olhar apaixonado de um belo rapaz. Enquanto isso, as escravas das mulheres ricas ou aspirantes receberiam ordens para descobrir os segredos da “beleza” das romanas. Nas reuniões e festas, status e aceitação poderiam depender da sua aproximação aos valores ditados pela moda romana. Lídia e Priscila e as nossas outras três mulheres sempre haviam convivido com essa situação. Paulo também a conhecia.

VI. O EFEITO DO CRISTIANISMO NAS MULHERES DA ÁSIA MENOR
Era essa, pois, a situação em que se encontravam as mulheres cristãs da Ásia Menor. Várias raças, diversas línguas, religiões e culturas, modernidade ao lado de “atraso,” e luxo e riqueza emparelhados com simplicidade ou pobreza. Mulheres nascendo, casando, criando filhos, enviuvando, trabalhando, sonhando, criando. Algumas haviam nascido em religiões variadas que não satisfaziam e que pouco se preocupavam em prover-lhes felicidade e sentido para a vida, especialmente por serem mulheres.36 Outras, como Eunice, já conheciam e respeitavam o Deus verdadeiro desde pequenas. Mas até para ela, e talvez principalmente para ela, a mensagem salvadora dos apóstolos significaria uma imensa e maravilhosa transformação e alegria.

O cristianismo estava tendo implicações enormes na estrutura das sociedades nas quais entrava. A pregação dos apóstolos significava uma mudança de vida tão radical que eles foram acusados de estarem transtornando o mundo, enquanto estavam na Grécia (At 17.6). E era verdade! Pela primeira vez na história humana, barreiras tradicionais que sempre haviam existido estavam sendo abertamente derrubadas. Analfabetas, letradas, escravas, servas, donas de casa, artesãs, esposas de comerciantes, “socialaites” e até ex-prostitutas poderiam estar sentadas lado a lado para adorar ao mesmo Deus e para aprender como agradá-lo. Maltratadas e bem-cuidadas, cansadas e animadas, ricas e pobres, solteiras, casadas e viúvas – elas repentinamente faziam parte da mesma família. Eram irmãs, filhas adotadas por um mesmo Pai da maneira como elas eram. E não somente as barreiras sociais estavam sendo desfeitas: também as culturais e nacionais haviam de ser esquecidas no convívio entre gregas, judias, romanas e locais. Paulo resumiu tudo isso na sua carta aos Colossenses (habitantes da província da Ásia), quando disse que na igreja “não importa a nacionalidade, a raça, a educação ou a posição social de alguém: estas coisas não significam nada. O que importa é se a pessoa tem Cristo ou não…” (Cl 3.11, Bíblia Viva)

Timóteo e os outros pastores estavam confrontando situações jamais vistas antes. Com a quebra dessas barreiras, um grande número de pessoas (e de senhoras) talvez estivesse sem entender os limites da sua nova liberdade. As epistolas de Paulo, Pedro e Tiago lidam com muitos dos problemas que surgiram. E um deles é o assunto do qual estamos tratando — com Paulo e Pedro determinando qual deveria ser o comportamento das mulheres nas igrejas e nos lares da Ásia Menor.

VII. A APROVAÇÃO IMPLÍCITA DE ORNAMENTOS NA BÍBLIA
Antes de voltarmos aos textos de 1 Timóteo e de 1 Pedro, interessa, em primeiro lugar, verificar o que indicam algumas das muitas referências sobre jóias, adornos e a beleza feminina constantes da revelação divina encontrada no restante da Bíblia.

Abraão, marido de Sara, aquela que Pedro elogia como exemplo de mulher santa, enviou jóias e vestidos para a futura esposa do seu filho, Isaque. “Tomou o homem um pendente de ouro de meio siclo de peso, e duas pulseiras para as mãos dela, do peso de dez siclos de ouro…Tirou jóias de ouro e de prata, e vestidos, e os deu a Rebeca” (Gn 24.22,47,53). Deus abençoou todos os passos para a realização desse matrimônio.

Deus permitiu que os israelitas recebessem jóias e roupas do povo do Egito (Êx 12.35) e aceitou com agrado a contribuição voluntária de uma parte destas para serem transformadas em utensílios e enfeites para o tabernáculo, o lugar em que ele seria adorado (Êx 35.22, 23; 28.17-20). Moisés transmitiu a mensagem: “Tomai, do que tendes, uma oferta para o Senhor; cada um, de coração disposto, voluntariamente a trará por oferta ao Senhor: ouro, prata, bronze, estofo azul, púrpura, carmesim, linho fino, pêlos de cabras, peles…, pedras de ônix e pedras de engaste…(Êx 35.5-9). Êxodo 35 a 39 descreve a beleza desse tabernáculo e os detalhes das vestes dos sacerdotes, tudo do melhor e do mais bonito. Ouro, linho, pedras preciosas, anéis, argolas, coroa… Quando os israelitas tiraram o espólio do povo de Canaã, Deus nunca deu ordens para que deixassem de lado as jóias e roupas bonitas que estariam entre as riquezas que poderiam levar, nem que as aproveitassem de outra maneira. “Voltais às vossas tendas com grandes riquezas, com … prata, ouro,… e muitíssima roupa, reparti com vossos irmãos o despojo dos vossos inimigos” (Js 22.8).

No livro de Cantares de Salomão, que por muitos é considerado tanto um poema sobre o amor humano quanto uma expressão do amor entre Deus e o seu povo, Salomão falou à sua amada: “Formosas são as tuas faces entre os teus enfeites, o teu pescoço com os colares” (Ct 1.10). Em Provérbios 11.9 e 25.12 a instrução dos pais e a palavra do sábio repreensor foram comparadas a um “diadema de graça para a tua cabeça, colares para o teu pescoço, e pendentes e jóias de ouro puro.” A tão admirada mulher virtuosa de Provérbios 31 vestia-se de “linho fino e de púrpura” (v. 22) e conseguiu vestir a sua família com uma vistosa “lã escarlate” (v. 21). Seu valor excedia o de “finas jóias” (v. 1).

Quando Deus descreveu o seu amor para com o povo de Israel (Ez 16.8-14), ele disse:

Também te vesti de roupas bordadas, e te calcei com peles de animais marinhos, e te cingi de linho fino e te cobri de seda. Também te adornei com enfeites, e te pus braceletes nas mãos e um colar a roda do teu pescoço. Coloquei-te um pendente no nariz, arrecadas nas orelhas, e linda coroa na cabeça. Assim foste ornada de ouro e prata; o teu vestido era de linho fino, de seda, e de bordados;… eras formosa em extremo e chegaste a ser rainha. Correu a tua fama entre as nações por causa da tua formosura, pois era perfeita, por causa da minha glória que eu pusera em ti.
Em Isaías 61.10, a beleza da salvação foi comparada à da “noiva que se enfeita com as suas jóias,” enquanto que em Apocalipse 21.2 a Nova Jerusalém está “ataviada como noiva adornada para o seu esposo.” As pérolas foram consideradas coisas de valor por Jesus em Mateus 7.6 e por Deus em Apocalipse 21.21.

É verdade que as citações acima são descritivas e não prescritivas. Deus, nessas passagens, não fez nenhuma declaração específica aprovando ou encorajando os adornos femininos. Mas é importante notar que ele também não os proibiu. Nas passagens em que Deus castiga as mulheres do seu povo, tirando os seus adornos, a razão dada é que elas os haviam usado de maneira imprópria (Ez 16). Não há declaração de que esses sejam errados em si. No mesmo capítulo, a mulher que representa Judá seria despida dos seus vestidos enquanto que as suas finas jóias seriam tomadas por causa da sua lascívia e prostituição. Não somente seus vestidos de luxo seriam tirados, mas toda a roupa, pois ela ficaria completamente nua e descoberta (v. 39), e ninguém disputa a propriedade de se usar roupa.

Também em Isaías 3.16-24 “as filhas de Sião” estavam sendo altivas, andando de pescoço emproado, de olhares impudentes, e de maneira vergonhosa (como as de Sodoma). Deus então catalogou uma lista completa dos objetos para embelezamento que ele iria tirar delas – uma lista que tem sido usada por muitos comentaristas do passado para resumir tudo que pensam que Deus não aprova (apesar de falar também de mantos, espelhos, bolsas e véus). Mas basta reler o início de Ezequiel 16 para sentir como Deus estava validando e se identificando com o profundo anseio das mulheres que ele mesmo imaginou e criou de serem bonitas e admiradas. Observemos que é com os lindos objetos de adorno que ele completa a perfeição da formosura dessa mulher que representa o seu povo amado. Aquela mulher bonita (e adornada), entretanto, não deveria se esquecer de que a sua beleza foi dada e permitida por Deus com o propósito de ser usado para refletir a sua glória: “Correu a tua fama… por causa da minha glória que eu pusera em ti” (v. 14). Foi quando as mulheres se desviaram desse propósito e confiaram na sua própria formosura que os adornos foram retirados.

As passagens acima demonstram que se Deus tivesse aversão ao adorno externo feminino, ele teria usado essas ocasiões, que seriam óbvias, para avisar ao seu povo que ele não queria o uso desses enfeites. De fato, personagens bíblicas deram, usaram e receberam jóias, enfeites e roupas bonitas sem recriminação da sua parte. Ele embelezou o seu tabernáculo e os sacerdotes com jóias e adornos. O maior exemplo do significado das sublimes bênçãos divinas, que ele mesmo mencionou, é o do homem que procura satisfazer à sua amada, cobrindo-a de adornos por inteiro. Ele conclui a sua revelação aos seus filhos descrevendo a beleza da sua igreja e da futura Jerusalém, usando a noiva enfeitada como a ilustração mais adequada.

VIII. ANÁLISE DOS TEXTOS DA CONTROVÉRSIA
Voltemos agora aos textos da controvérsia. Paulo e Pedro, falando a senhoras e moças nas igrejas recém-formadas, compararam dois tipos de “adornos.” Aparentemente, os dois condenaram o primeiro tipo, o “adorno exterior.” Mas olhemos, com muita atenção, algumas outras passagens da Bíblia (escolhidas dentre muitas) em que também são feitas comparações ou contrastes.

A. Comparações em Outros Textos

No Antigo Testamento, em Gênesis 45.8, José falou: “…não fostes vós que me enviastes para cá, e, sim, Deus…” Assim, à primeira vista, poderíamos concluir que os irmãos de José não o mandaram para Egito. Mas, um pouquinho antes (no v. 4), José já havia dito: “Eu sou José, vosso irmão, a quem vendestes para o Egito.”

No Salmo 51.16-17, o rei Davi expressa a sua imensa contrição pelos pecados de adultério e de homicídio cometidos por ele e faz as seguintes declarações ao seu Deus: “Pois não te comprazes em sacrifícios, do contrário eu tos daria; e não te agradas de holocaustos. Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; coração compungido e contrito não o desprezarás, ó Deus.”

No Novo Testamento, podemos estranhar algumas declarações de Jesus. Em Lucas 14.12 ele ensina: “Quando deres um jantar ou uma ceia, não convides os teus amigos… nem teus parentes… antes convida os pobres…” Depois, em João 6.27, ele aconselha: “Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que subsiste para a vida eterna…” Falando de Lázaro em João 11.4, Jesus diz: “Esta enfermidade não é para morte, e sim para a glória de Deus.”

Por que Davi falaria que Deus não se compraz com sacrifícios e holocaustos quando todos nós sabemos que a “Bíblia” dele estava repleta de instruções sobre como e quando oferecê-los?37 Podemos concluir que Jesus proibiu que convidemos os nossos amigos para jantar em nossa casa quando ele mesmo freqüente e alegremente aceitou convites para jantar (Lc 7.36; Jo 12.2) e organizou a “última ceia” para celebrar a Páscoa com seus amigos mais íntimos (Lc 22.7-23)? Se não devemos trabalhar pelo nosso sustento, Paulo estaria contradizendo Jesus quando ele ordenou que aquele que não quisesse trabalhar não deveria ser alimentado e exortou as pessoas preguiçosas a trabalharem para comer (2 Ts 3.10-12)? Se Lázaro não morreu, como explicar a revelação posterior de Jesus (Jo 11.14) quando afirmou claramente: “Lázaro morreu”?

B. Expressões Idiomáticas nas Línguas Semíticas

A resposta ao enigma aparente é simples. Acontece que estamos lidando com expressões idiomáticas freqüentemente usadas pelos judeus.38 Em muitas ocasiões, quando queriam comparar ou contrastar duas coisas, eles deixavam de lado as palavras limitadoras e falavam coisas opostas para enfatizarem o que queriam dizer. Muitas vezes diziam “não… mas” ou “não… sim,” quando o significado real era “nem tanto… mas muito mais” ou “não primariamente (ou meramente ou apenas)… mas especialmente (ou muito mais ou também).”39 Todo mundo quase sempre entendia isso da maneira como deveria ser entendido. Mas a nossa língua não funciona assim e quando a Bíblia foi traduzida para o português (e para muitas outras línguas), os tradutores, nesses casos, deixaram o entendimento para o nosso bom senso, em vez de adicionar palavras àquelas que se encontravam no texto original.

1. Aplicação aos Outros Textos

Podemos e devemos concluir que há uma expressão idiomática nessas passagens. Voltando ao Salmo 51, lemos logo depois, no versículo 19: “Então te agradarás dos sacrifícios de justiça, dos holocaustos e das ofertas queimadas; e sobre o teu altar se oferecerão novilhos.” Davi estava ciente de que, naquela hora, “Deus não poderia se agradar de meros sacrifícios externos — das ofertas de sangue em si, desacompanhadas da expressão de penitência genuína.”40 Eis a palavra chave com a qual o primeiro versículo pode fazer sentido. Assim, podemos parafrasear o texto da seguinte maneira: “Pois não te comprazes em meros sacrifícios, do contrário eu tos daria; e não te agradas meramente de holocaustos. Sacrifícios muito mais agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; coração compungido e contrito não o desprezarás, ó Deus.”

Voltando aos outros versículos, colocaremos as palavras que farão com que as declarações tenham mais sentido em nossa língua:

“Assim não fostes (apenas, meramente ou tanto)vós que me enviastes para cá, mas muito mais (em primeiro lugar) Deus.”

“Quando deres um jantar… não convides (apenas ou sempre) os teus amigos, … mas convida especialmente os pobres.”

“Trabalhai, não (primariamente ou meramente) pela comida que perece, mas especialmente pela que subsiste para a vida eterna.”

“Esta enfermidade não é (somente ou primariamente) para morte, mas especialmente para a glória de Deus.”

2. Aplicação aos Textos de 1 Timóteo e 1 Pedro

Seguindo nessa mesma linha de raciocínio, os nossos versículos sobre o adorno poderiam ser entendidos da seguinte maneira:

Da mesma sorte, que as mulheres, em traje decente, se ataviem com modéstia e bom senso, não tanto com cabeleira frisada e com ouro, ou pérolas, ou vestuário dispendioso, mas muito mais com boas obras…
Não seja o adorno das esposas primariamente o que é exterior, como frisado de cabelos, adereços de ouro, aparato de vestuário; mas muito (infinitamente!) mais o homem interior do coração, unido ao incorruptível de um espírito manso e tranqüilo, que é de grande valor diante de Deus…
Pode-se, entretanto, argumentar que essas cartas foram escritas em grego e que, se isso é uma expressão idiomática semítica, por que estaria presente nessa língua? É preciso, porém, observar que existem outras passagens gregas no Novo Testamento que chamam para si interpretações semelhantes, indicando que essa questão é muito mais de estrutura de pensamento hebraica, que permanece inalterada mesmo quando os autores se expressam em grego, do que uma questão linguística. O apóstolo João em 1 João 3.18 declara: “Filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade.” O mesmo ocorre com a declaração de Paulo em 1 Coríntios 15.10.

Ao examinarmos na Septuaginta (a tradução grega do Antigo Testamento usada nas sinagogas da Ásia Menor) os textos anteriormente citados (Salmo 51 e Gênesis 45), verificamos que ela traslada para o grego, de forma semelhante e com os mesmos negativos utilizados por Pedro, a expressão idiomática que está presente no texto hebraico. Sabemos, também, que Paulo e Pedro não somente nasceram e cresceram usando o hebraico/aramaico, mas que continuavam constantemente tendo contato com pessoas que usavam e falavam esses idiomas.41 Resumindo, pois, constatamos que (pelo menos à exceção dos textos em debate) não há proibição do uso de adornos em nenhum lugar da Bíblia e que há ampla descrição da existência e do uso desses entre o povo de Deus. Observamos, também, que a adição de certas palavras tem sido necessária, às vezes, em várias porções da Palavra, para que não haja distorções na mensagem de Deus. Provamos que existe a possibilidade de que Paulo e Pedro42 tenham utilizado a maneira semítica usual para enfatizar esse contraste entre o “adorno” físico e o espiritual. Vamos, agora, analisar outras interpretações desses textos, e observar o contexto geral das Escrituras sobre as questões do legalismo e da beleza, para concluirmos que o nosso entendimento da questão realmente se enquadra na intenção dos autores.

IX. ANÁLISE DE OUTRAS INTERPRETAÇÕES
A. Interpretações que Proíbem os Adornos Femininos

Os dois escritores do Novo Testamento poderiam realmente estar transmitindo uma nova orientação de Deus ou, talvez, uma orientação mais clara ou abrangente. Consequentemente, uma das marcas das mulheres participantes da Nova Aliança seria uma completa (ou quase completa) ausência de adornos e enfeites. Assim, os termos decência e modéstia (1 Tm 2.9) acabavam de ser melhor definidos.

Como já vimos, essa tem sido a conclusão de muitos teólogos e comentaristas desde os primeiros séculos da era cristã até aos dias de hoje.43 Outros procuram amenizar a aparente força das palavras de Paulo e Pedro observando que Paulo estava falando primariamente sobre as mulheres no culto e Pedro sobre as esposas, e assim sugerem que as diretrizes talvez se limitem aos dois ambientes citados.44

Alguns nutrem a noção de que Pedro e Paulo realmente estavam proibindo os adornos, mas que essas instruções dos apóstolos tratavam de situações restritas àquele tempo e portanto não são normativas para as mulheres cristãs dos séculos XX (e XXI).45 Para concluir, existem ainda aqueles que questionam tanto a própria autoria de Paulo e Pedro quanto a divina inspiração das suas cartas. Para esses que desconsideram a autoridade eterna da Palavra, não existe nenhuma dificuldade ou utilidade maior no texto além da avaliação do efeito histórico.46

B. Interpretações que Permitem (ou Toleram) os Adornos Femininos

Por outro lado, temos Kistemaker e outros que concluem que Paulo e Pedro não tinham a mínima intenção de fazer com que as mulheres se abstivessem do embelezamento pessoal, ou que andassem fora da moda, mas que não explicam como então ler o texto sem ignorá-lo. Ele escreve: “Pedro não diz que a mulher deve se abster dos adornos. Ele não proíbe o uso de cosméticos, nem o uso de trajes atraentes. A ênfase de Pedro não é na proibição mas num senso apropriado de valores.”47 Mas não explica! Hendriksen deixa um espaço aberto para os adornos externos quando traduz o início de 1 Timóteo 2.9 “que as mulheres se adornem com trajes de adorno com modéstia e bom senso…”, e completa: “É claro, portanto, que o apóstolo não condena o desejo da parte de moças e mulheres – um desejo criado nas suas almas por seu Criador – de se adornarem, de usarem de ‘bom gosto’.”48 Mas não explica!

Com relação à autoria e autoridade das epístolas, nos unimos àqueles que consideram que os ensinamentos desses textos bíblicos procedem realmente de Paulo e Pedro, sob a inspiração do Espírito Santo, e que continuam sendo normativos. Temos certeza, porém, de que eles não estavam iniciando uma nova fase na qual qualquer tipo de adorno era categoricamente proibido às mulheres tementes a Deus. Cremos que, realmente, estamos lidando com uma expressão idiomática semítica em ambos os textos, e que o adorno externo não estava sendo proibido. A seguir, citamos algumas razões.

X. UMA AVALIAÇÃO MAIS AMPLA
A. As Proibições não Condizem com os Outros Ensinamentos de

Paulo e Pedro

A proibição categórica contra os enfeites femininos não condiz com qualquer outro ensino registrado dos dois apóstolos. Em nenhum outro lugar, Paulo e Pedro proibiram ou exigiram qualquer ação ou atitude que não fosse ligada especificamente à ordem da criação ou à lei moral de Deus.49 Na mesma carta a Timóteo (4.1-5), Paulo já alertou contra aqueles que “proíbem o casamento,50 exigem abstinência de alimentos, que Deus criou para serem recebidos, com ações de graça, pelos fiéis e por quantos conhecem plenamente a verdade; pois tudo que Deus criou é bom, e, recebido com ações de graça, nada é recusável, porque pela palavra de Deus, e pela oração, é santificado.” Chegou a dizer que as pessoas que ensinam a prática do ascetismo terão apostatado da fé, por terem obedecido “a espíritos enganadores e a ensinos de demônios” (v.1).

1. O Perigo do Ascetismo e do Legalismo

Sob a orientação do Espírito (o Espírito afirma expressamente, 1 Tm 4.1), Paulo estava preparando os novos crentes para não se perderem num novo legalismo. Tanto os homens quanto as mulheres teriam que aprender a se preocupar primariamente com o espírito da lei – a lei do amor a Deus e ao próximo. Ele empreendeu uma campanha tremenda contra o legalismo dos judaizantes e contra aqueles que pretendiam introduzir ou impor o ascetismo (a auto-negação) na nova fé cristã. Romanos 14 ilustra muito bem a sua atitude. Falando sobre a questão de comidas oferecidas aos ídolos e da observação de dias, Paulo disse: “Eu estou persuadido no Senhor Jesus, que nenhuma coisa é de si mesma impura, salvo para aquele que assim a considera; para esse é impura…. Porque o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo” (vv.14, 17). Enquanto isso, no Concílio de Jerusalém, Pedro também lutou contra o legalismo judaico (At 15.7, 10).

2. A Liberdade Cristã

Em 1 Coríntios 8-10, Paulo trata do mesmo assunto: “Portanto, quer comais, quer bebais, ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (10.31).51 Colossenses 2.20 é muito forte:

Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no mundo, vos sujeitais a ordenanças: Não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro, segundo os preceitos e doutrinas dos homens?… Tais coisas, com efeito, têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e falsa humildade, e rigor ascético; todavia, não têm valor algum contra a sensualidade.
Na carta aos Gálatas, ele escreve: “Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais de novo a jugo de escravidão” (5.1). Na subseqüente lista das obras da carne (5.19-21), encontramos somente atitudes e ações diretamente proibidas na lei moral ou que implicam em uso exagerado de algo que é legítimo (como glutonarias).

Continuando com o raciocínio de Paulo, poderíamos parafrasear Romanos 14.3,13-23:

Tomai o propósito de não pordes tropeço ou escândalo ao vosso irmão… Nenhuma coisa é de si mesma impura, salvo para aquele que assim a considera… Quem usa adornos, para o senhor os usa, porque dá graças a Deus; e quem não usa adornos, para o senhor não os usa, e dá graças a Deus. Porque o reino de Deus não consiste de jóias, penteados, roupas chiques ou cosméticos, mas de justiça, e paz, e alegria no Espirito Santo… Quem usa adornos não despreze a que não usa; e a que não usa não julgue a que usa, porque Deus a acolheu… Seguimos as coisas da paz e também as da edificação de uns para com os outros. Não destruas a obra de Deus por causa dos seus adornos… É bom não fazer qualquer coisa com que teu irmão venha a tropeçar (ou se ofender, ou se enfraquecer)… Bem-aventurada é aquela que não se condena naquilo que aprova. Mas aquela que tem dúvidas é condenada, se usar, porque o que faz não provém de fé; e tudo o que não provém de fé é pecado.
B. A Capacidade Humana de Apreciar a Beleza é um Dom Divino

1. A Percepção da Perfeição

Em segundo lugar, não devemos nos esquecer nunca de que foi Deus quem nos deu a capacidade de reconhecer, apreciar e desejar a beleza, como também de criá-la,52 ainda que de maneira imperfeita e finita. Faz parte da imagem de Deus em nós, distorcida pelo pecado, mas ainda existente nos seres que ele criou. É através da beleza, da perfeição e da precisão de sua criação que ele comunica a sua existência, personalidade e glória a nós, seres humanos (Salmo 19). E, apesar da nossa distorcida apreensão moral, ele continua nos dotando com os cinco sentidos, com os quais podemos e devemos perceber e nos encantar com a perfeição de cores e simetria, melodia e harmonia, fragrância e aroma, leveza e maciez, sabor e doçura. Somente os seres humanos têm essas percepções. Todas essas qualidades podem ser personificadas numa única mulher, especialmente quando ela desenvolve os dois lados do seu ser – completando e aperfeiçoando a sua formosura e elegância exterior com a graça e excelência do seu espírito interior.

2. A Percepção da Imperfeição

Também faz parte da imagem de Deus em nós a rejeição inata, pelos nossos sentidos, das coisas imperfeitas — desbotadas ou assimétricas, destoantes ou desarmoniosas, mal-cheirosas ou sufocantes, grosseiras ou ásperas, insípidas ou amargas. A imperfeição e deformação nunca foram obra nem desejo de Deus. São resultados do pecado, do trabalho de Satanás no mundo. Ele nos mutilou não somente na alma, mas também na nossa aparência. É raro não termos algo desproporcional, torto ou até feio em nosso rosto ou corpo. E quando, porventura, nascemos e crescemos belos, em pouco tempo o clima, as doenças, os vícios e a velhice começam a devastar a nossa beleza . Alguém filosofou que “começamos a morrer no dia em que nascemos.” Por isso, em Eclesiastes 12, Salomão alerta os jovens quanto à efemeridade da vida e à importância de dar valor ao seu relacionamento espiritual, descrevendo de maneira inesquecível e marcante a triste deterioração do corpo que acompanha o envelhecimento.

3. O valor da beleza na Bíblia

É interessante notar que Deus inspirou Moisés a registrar que as esposas amadas pelos três pais da fé — os patriarcas Abraão, Isaque e Jacó — foram todas lindas. Sara era sobremaneira formosa ao ponto de ser cobiçada por reis, Rebeca mui formosa de aparência e Raquel formosa de porte e de semblante (Gn 12.14; 24.16; 29.17). Enquanto isso, Lia tinha os olhos baços e a diferença na beleza física é a única razão (registrada, pelo menos) para o fato de que Jacó amou mais a Raquel do que a Lia — a quem até desprezou (Gn 29.17, 30, 31). Deus também deixou registrada a importância e o impacto que a beleza física de mulheres, esposas e noivas teve nos reis, como Davi e Salomão (1 Sm 25.3; 2 Sm 11.2; 1 Rs 11; Ct 1.10). Tudo concorre para indicar que os homens realmente refletem a capacidade divina de apreciar a harmonia e a estética da beleza externa e, também, que tendem a procurar e apreciar companheiras belas.53

Na sua palavra, Deus usa o contraste entre a perfeição e a imperfeição física, tanto a estética quanto a corpórea, para ilustrar não somente a miséria do nosso pecado mas especialmente a beleza da nossa restauração espiritual. Já vimos a passagem em Ezequiel 16 em que Deus descreve como ele vestiu e adornou a mulher representando Judá, e como ele a deixou feia e nua por causa do seu pecado. E Paulo foi divinamente inspirado, na sua carta aos Efésios, a comparar a igreja que Cristo está preparando para si à maneira como muitas mulheres sonham ser na sua aparência externa, e que muitos homens almejam encontrar nas suas companheiras54 — “gloriosa, sem mácula, sem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito” (Ef 5.27).

4. Roupas práticas, ou bonitas também?

Existe, portanto, na mente humana, a capacidade de imaginar e reconhecer a aparência ideal, bela ou perfeita. A aparência agradável, porém, é atingível numa infinita variedade de combinações por causa da criatividade do nosso Deus. Visualizamos essa criatividade não somente nos seres humanos mas também no resto da criação. É Jesus quem chama a nossa atenção para a beleza das flores no campo, falando, curiosamente, sobre a nossa preocupação com o que vestimos (Mt 6.28-30):

E por que andais ansiosos quanto ao vestuário? Considerai como crescem os lírios do campo: eles não trabalham nem fiam. Eu, contudo, vos afirmo que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós outros, homens de pequena fé?
Jesus diz que podemos confiar em Deus para providenciar tudo que precisamos, inclusive as roupas. E ele nem nos leva a refletir sobre a utilidade dos nossos trajes no sentido óbvio e esperado de proteção contra nudez, calor e frio.55 Em vez disso, ele fala da beleza das flores – uma beleza tão grande que tira o fôlego de qualquer um que realmente pára com o propósito de olhá-las, tanto de perto quanto de longe. E ele nos pergunta quanto mais não deveríamos esperar daquele que veste assim as flores que são tão transitórias e tão insignificantes em termos de valor real.

5. A Superioridade da Beleza Interior

Deus, portanto, criou e permite a beleza do universo e da humanidade. Faz parte da nossa natureza apreciá-la e querer estar na presença dela. Mas, muitas vezes, nós não a temos por completo e nem temos acesso a todos os recursos necessários para alcançá-la. Quando, porém, somos filhos de Deus, começamos a compreender que não foi apenas a beleza externa que foi corrompida pelo pecado. O nosso espírito — a nossa personalidade, o nosso caráter, as nossas atitudes — tudo ficou horrivelmente desfigurado com a queda de Adão e Eva. Isso afetou os nossos relacionamentos — tanto o vertical quanto os horizontais. A nossa redenção, a nossa volta à perfeição, começa internamente quando confessamos Jesus como nosso Salvador e Senhor. Deus espera que a nossa maior preocupação agora seja com o desenvolvimento e a expressão do nosso lado espiritual – o homem interior do coração demonstrando a sua piedade pelas boas obras (1 Pe 3.4: 1 Tm 2.10). O crescimento espiritual faz com que, apesar de sermos muito mais sensíveis à beleza que pode ser encontrada em tantas coisas e seres que nos cercam, somos capazes de apreciá-la sem fazer questão de tê-la. O ter e o aparecer não têm mais a mesma importância, exceto quando nos são úteis em nosso serviço ao nosso precioso Deus. E o mais maravilhoso de tudo é que ainda que a beleza externa humana não exista ou se desvaneça com o passar do tempo, a beleza interna pode crescer e dar expressão agradável ao corpo.

XI. O ADORNO DAS “MULHERES PIEDOSAS”
A. As Exortações de Paulo

Existia muita oposição entre os gregos aos seguidores do “Caminho.” Os gregos que se mantinham através dos negócios que envolviam o culto aos ídolos se viam ameaçados com a pregação da adoração a um único Deus (At 19.23-26). Os judeus não queriam aceitar Jesus como o Messias e consideravam a pregação paulina como blasfêmia.56 As mulheres romanas nas novas igrejas, estariam sendo coagidas por seus conterrâneos a prestarem culto também ao imperador Nero.57 Em meio a tantas dificuldades, quando muitas estavam sendo hostilizadas por suas próprias famílias e comunidades, elas necessitavam desesperadamente de união espiritual.

Em vez disso, pode ser que Paulo estivesse notando que certas irmãs estavam fazendo com que as outras se sentissem desprezadas. Já que elas estavam acostumadas a se arrumar quando iam para algum lugar importante (acontecimento talvez raro na vida de muitas delas), agora estavam querendo levar essa prática para as reuniões semanais (e, às vezes, diárias) da igreja. Afinal, a sua fé agora era a coisa principal nas suas vidas. Enquanto algumas tinham que usar roupas e adereços bem simples por força de tradição ou de pobreza, outras estavam chegando aos cultos totalmente “produzidas” conforme o estilo da época, tendo gasto tempo e dinheiro, dos quais as outras não dispunham, com seus penteados, roupas e jóias. Possivelmente, os cultos em alguns lugares estavam começando a parecer desfiles de moda! E isso poderia levar àquela acepção de pessoas tão condenada anteriormente pelo apóstolo Tiago quando ele alertou contra a tendência que havia no ser humano de tratar com deferência àquela pessoa que andava “com anéis de ouro nos dedos, em trajes de luxo” e desprezar o “pobre andrajoso” que também havia entrado para participar dos cultos (Tg 2.1-2). Em vez de gastarem os seus esforços na demonstração de amor, bondade, generosidade e compaixão, algumas irmãs estariam ficando orgulhosas, vaidosas, invejosas, insensíveis. Outras não respeitavam mais a opinião dos seus familiares e irmãos com relação àquilo que seria decente ou modesto. Não queriam abrir mão da vontade e prazer de ter status aos olhos das pessoas que lhes cercavam. Estava sendo difícil compreender que a sua liberdade cristã terminava logo que ela afetava o bem-estar de outras pessoas.

Paulo queria que elas entendessem que havia tempo e lugar para tudo. Isso não significava que as mulheres ricas tinham que andar com roupas de pobre ou alisar os cabelos toda vez que iam aos cultos.58 Também não seriam obrigadas a prender os cabelos e os vestidos com enfeites de qualidade inferior. Simplesmente, era necessário que entendessem que elas tinham que parar de ser vaidosas. Não deviam estar se preocupando com luxo e ostentação, enquanto deixavam passar as oportunidades para servir a Deus e à comunidade cristã com boas obras.

Da mesma forma, as mulheres tinham que respeitar não somente as suas irmãs em Cristo, mas também os irmãos presentes nos cultos, tanto os solteiros quanto os casados ou viúvos. Tinham que vestir-se “em traje decente,…com modéstia e bom senso” (1 Tm 2.9).59 Nada na sua aparência deveria desviar o pensamento dos irmãos (nem dos pastores) nem causar-lhes desconforto ou incômodo.

B. As Exortações de Pedro

Pedro, por outro lado, falou especificamente às esposas, judias e gentias. Algumas, com certeza, eram esposas ou filhas de pessoas que lidavam com produtos para o adorno. É interessante observar que o conselho sobre o exagero no adorno das esposas faz parte duma exortação sobre como “ganhar o seu marido descrente para Cristo.” Ele começou dizendo (1 Pe 3.1-2):

Mulheres, sede vós, igualmente, submissas a vossos próprios maridos, para que, se alguns deles ainda não obedecem à palavra, sejam ganhos, sem palavra alguma, por meio do procedimento de suas esposas, ao observarem o vosso honesto comportamento cheio de temor.
Para muitas mulheres gentias, convivendo com a realidade da época em que era comum e aceito um homem ter uma amante e freqüentar casas de prostituição,60 Pedro estava abrindo (e não diminuindo) o leque de possibilidades para elas ganharem os seus maridos, não somente para Cristo, mas também para si. Elas poderiam aumentar ou completar a sua beleza, esforçando-se para adornar a sua alma, sendo submissas aos maridos e tendo um comportamento honesto. Ao desenvolver um espírito manso e tranqüilo no seu lidar diário com esses homens, bons ou ruins, crentes ou descrentes, elas poderiam esperar em Deus pelo resultado, sem temer perturbação alguma.

Todas poderiam tirar ânimo de Sara, que fez isso quando seu marido, Abraão, resolveu (duas vezes) não esperar em Deus e entregá-la aos caprichos de homens perversos e pervertidos (Gn 12.10-20 e Gn 20).61 Pedro não ensinou aqui que elas deveriam se descuidar da aparência e arriscar a perda do amor ou do respeito dos seus maridos. Nada disso. Nem elas deveriam jogar fora os seus vestidos bonitos e suas jóias, insistindo com seus maridos que não mais podiam acompanhá-los aos jantares sociais. Elas ainda podiam e deviam enfeitar-se com o propósito de agradar os seus esposos, mas não para se ostentar a despeito da opinião deles. Pedro insistiu, não que o aspecto exterior devesse ser negligenciado, mas que agora o desenvolvimento do seu caráter, e o agradar aos seus maridos, deveria ser item prioritário nas suas vidas e fazer com que elas alcançassem uma beleza mais completa, duradoura e satisfatória.

Pode ter sido também que algumas mulheres estivessem enlouquecendo seus esposos com a sua insistência em seguir a moda. Tinham que ter mais e mais dinheiro para comprar novos tecidos e jóias e, em vez de cuidarem das suas casas e famílias, gastavam seu tempo preparando e mantendo seus penteados e aparência. Seria realmente difícil para um marido daquele tempo dormir ao lado duma mulher tentando preservar um penteado igual a alguns que vemos nas estátuas da época! Podemos imaginar algum marido irado se queixando a Pedro sobre a sua experiência nesse sentido. Algumas simplesmente não estavam ligando mais para a opinião dos seus cônjuges, talvez por achar que não tinham mais autoridade por não serem crentes. Além disso, Pedro estava alertando-as de que as perseguições já em andamento iriam aumentar (com as perseguições de Nero, ver 1 Pe 4.12-19). Se elas se prendessem demais aos seus adornos e à sua posição social, não estariam prontas para renunciar a tudo por amor a Deus, na hora da provação.

CONCLUSÕES
A. A Mulher Cristã Pode se Enfeitar

Concluímos, então, que a Bíblia não apoia a proibição absoluta aos adornos femininos, nem nas duas passagens em questão e nem em qualquer outro lugar. Vimos que existem outras passagens que contêm comparações ou contrastes que necessitam receber uma leitura alternativa por representarem expressões idiomáticas semíticas. Examinamos as outras passagens sobre adornos e comprovamos que não contêm condenação. Verificamos o repúdio bíblico ao ascetismo e ao legalismo. Confirmamos que a apreciação do belo é algo que nos é dado por Deus. Percebemos que uma proibição não é compatível com o espírito e o exemplo de Paulo e Pedro. Assim sendo, podemos inferir que, nos textos principais examinados, realmente estamos lidando com uma peculiaridade de expressão idiomática-cultural, no contraste traçado entre os adornos exterior e interior, sem receio nenhum de estarmos torcendo a intenção das palavras inspiradas dos apóstolos.

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